31/10/2010

Alienz: em busca de outra ficção científica.


Uma coisa que acredito estar presente em vários de meus trabalhos é a busca por algo novo ou a intenção de dar uma nova perspectiva a um tema já visitado por outros autores. A revista Alienz, por exemplo, é uma HQ de ficção científica que tem como tema a liberdade e narra uma história de amor. Para realizá-la, pude contar com os desenhos precisos de Eduardo Pansica e a belíssima capa de Carlos Fonseca. O resultado é algo, creio eu, bastante original, que mereceu a seguinte resenha:

ALÉM DAS PALAVRAS

Marcello Castilho Avellar, Estado de Minas, maio de 2007.

Em um dos primeiros capítulos de Alice Através do Espelho, o escritor e matemático Lewis Carrol apresenta um poema, Jabberwocky. Nele, a maioria das palavras de sentido objetivo (substantivos, adjetivos, verbos de ação, advérbios) pertence ao inglês arcaico ou foi inventada pelo autor. Mesmo assim, ao terminar o último verso, o leitor conhecerá uma história sobre um herói e um monstro. Conhecerá até mesmo detalhes do ambiente, fauna e flora onde a aventura teria ocorrido. Jabberwocky é obra-limite para os que estudam arte, lingüística, semiótica: lembra-nos que os sentidos, talvez sejam transmitidos não por aquelas palavras aparentemente significativas, mas por estruturas relacionais, como sintaxeconectivos e desinências. A revista ALIENZ, de Wellington Srbek e Eduardo Pansica, investe com força na transposição dessa idéia para os quadrinhos.

O vocabulário de ALIENZ é cheio de termos científicos: equação diferencial, fractal, quark, glúon, bosón e por aí vai. Mas quem não está acostumado com matemática, física ou outros campos do conhecimento chegará ao final da história com boa idéia de tudo o que se disse durante a ação ou sobre a ação. Para construir uma história ambientada em um planeta que, material e filosoficamente, teria civilização bem distinta das nossas, Srbek invoca o vocabulário científico - mas o apresenta numa estrutura lingüística que conhecemos, o que nos permite superar até mesmo nosso desconhecimento sobre o vocabulário.

Os desenhos seguem lógica semelhante: se os elementos da imagem nos são alienígenas, a sintaxe que os associa não é. Na imagem, o truque carroliano de ALIENZ acaba ficando mais evidente. Percebemos a freqüência com que o encontramos em narrativas fantásticas de histórias de ficção científica na revista Heavy Metal ao nonsense da Garagem Hermética, de Moebius. As artes da imagem teriam tornado universal, muito antes das narrativas da palavra, aquela possibilidade de significado contida nas estruturas. No encontro entre texto e figura que marca os quadrinhos, a familiaridade que temos com a primeira forma de comunicação e a falta de intimidade que mantemos com a segunda produzem uma tensão que acaba dando vida e singularidade a ALIENZ.

Nenhum comentário: